Birra
Escrito por Carmen Alcântara*
Estes comportamentos explosivos e cansativos para os adultos costumam aparecer entre um e três anos de idade, e é preciso entender estas crises dentro do desenvolvimento infantil
Nesta idade, a criança está no auge do pensamento mágico e intuitivo e também onipotente; a tolerância a frustração ainda é muito pequena. Ela está testando hipóteses e limites à sua maneira, e desta forma tentando entender o mundo a sua volta.
A linguagem está se desenvolvendo a partir das representações mentais (imagens mentais) e imitações de gestos e sons, e a socialização também se inicia (por volta dos dois anos).
Mais adiante, por volta dos seis anos a organização conceitual do ambiente torna-se lentamente mais estável e coerente, a criança consegue entender operações concretas de classes de objetos, relações e números ligados a eles, regras de jogos etc. Dizemos que o desenvolvimento cognitivo situa-se na fase operacional concreta, tendo a criança mais maturidade social e mais tolerância para aguentar frustrações.
Voltando à criança mais nova que apresenta as crises de birra - e entendendo sua imaturidade neurológica, cognitiva e social é possível perceber que ela assim o faz porque ainda não consegue expressar-se de outra forma em alguns momentos.
Cabe, portanto aos pais ou ao adulto que estejam cuidando da criança nestes momentos, acalmá-la, por em palavras o que está sentindo e o que se passou, ao mesmo tempo em que estabelece os limites. Desta forma, ensinar a criança a se expressar de forma mais adequada, a tolerar pouco a pouco mais frustrações e a respeitar limites.
Em algumas situações, quando as birras se tornam recorrentes e depois de já ter tentado outras vezes acalmá-la e conversar, o adulto pode também ignorar o comportamento como forma de demonstrar que este não é realmente o caminho para se comunicar.
Abraçá-la e acalmá-la ou ignorar depende de cada situação e de cada criança.
O que não se pode fazer é ceder as demandas pelas birras, pois isso só reforçará este tipo de comportamento.
Outro ponto importante é procurar manter o controle, pois para a criança será pior sentir o adulto também sem controle. É preciso lembrar que a criança também se assusta com o próprio rompante e ficará mais assustador e traumático para ela sentir que o adulto que deveria acalmá-la está fora de si.
Se as birras acontecem em público, o melhor é tirar a criança do lugar e levá-la para um lugar mais reservado, abraçá-la, tentando conter e acalmar e depois conversar sobre o assunto.
Se a birra se der em casa, e a criança ameaçar se machucar, bater em alguém ou em um animal de estimação, o melhor também é levá-la para seu quarto, de castigo, tentar contê-la, ficar com ela até ela acalmar. Ao mesmo tempo, verbalizar para ela que você percebe a raiva, mas que não irá permitir que ela se machuque ou machuque alguém e que ela pode sentir a raiva, falar da raiva, mas não fazer o que está fazendo.
Em alguns casos, quando a birra acontece com muita frequência, acompanhada de irritabilidade constante e (ou) de ansiedade ou atrasos no desenvolvimento da linguagem e socialização é necessária uma avaliação mais específica e o pediatra pode conduzir este processo para um diagnóstico e tratamento adequado.
Uma última reflexão: vale lembrar que a birra de hoje pode significar o adolescente de amanhã que não consegue conter sua impulsividade com relação a álcool e drogas, desrespeito aos adultos e falta de tolerância às frustrações da vida (que são inúmeras!).
* Psicóloga Clínica e Mestre pela Faculdade de Medicina - USP